quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Crônica: Domingo de futebol

Contos e Crônicas














Domingo de futebol

Candinho acordou cedo naquele domingo, como em todos os domingos, aliás. Fez um café, deu comida para os passarinhos, limpou as gaiolas e foi se arrumar para ir à missa. Essa era a vida de Candinho e ele não reclamava, muito pelo contrário, ele gostava muito dos domingos exatamente por essas pequenas coisas que para ele eram pequenas alegrias.

Missa, almoço na casa da sogra, sesta depois do almoço, “meio dedo de prosa” com o sogro e estava completa a primeira metade do seu domingo. A segunda metade começava com a caminhada de mãos dadas com a “patroa” até sua casa, algumas horas na frente da televisão vendo aqueles programas dominicais mais que previsíveis e insuportáveis, mas que ele agüentava pacientemente e entremeados de cochilos, tudo para agradar a esposa que, extasiada, sorria, chorava e se emocionava vendo na tela da TV a vida dos artistas passar ao vivo e a cores.

Como tudo que é ruim uma hora termina, aqueles programas também terminam por um excelente propósito, chega a hora do futebol. Neste momento Candinho desperta completamente dos cochilos que vem dando e se arruma na frente da TV com todo cuidado, afinal a posição em que ele está para ver o jogo tem influência decisiva no resultado da partida. Se fica deitado distraído seu time começa a tomar um sufoco até que o inevitável gol adversário aconteça. Se ele se deita em posição menos relaxada a partida passa a ficar mais disputada, o mesmo acontecendo quando ele está sentado. Mas isso nao é uma ciência exata, tudo isso pode se mudar completamente, portanto é preciso estar atento e concentrado, pois até uma ida ao banheiro pode fazer desandar uma partida já ganha. Atender ao telefone, então, é tragédia na certa, tanto é que quando toca o telefone em horário de jogo Candinho faz questão de ignorar, não atende a ninguém. Simplesmente manda falar que está ocupado.

Jogo é uma coisa muito séria e Candinho sabe muito bem disso, portanto ele se concentra muito nessas ocasiões para não ser o culpado por um resultado ruim do seu time do coração.

Terminado o jogo começa a seção de atritos familiares, pois Candinho quer ver e ouvir até o último repórter de campo entrevistar o último jogador que se dispõe a falar, e isso pode demorar desde alguns poucos minutos, até horas. Entrevistas em campo, análises de comentaristas que tiveram tempo de ver e rever vídeo-tapes dezenas de vezes, entrevistas coletivas de técnicos, jogadores, gandulas, juízes e quem mais puder falar alguma coisa, importante ou não, sobre o jogo. Esse é o problema, pois a esposa de Candinho, que cochilou a maior parte do jogo, se vê no direito de mudar de canal para continuar vendo o programa dominical que tanto estava interessante, mas outros canais continuam passando entrevistas, debates, análises, etc.

Esse é o momento em que a família se separa. Candinho sucumbe ao desejo da esposa e vai para o quarto ver seus debates e entrevistas na TV de 14 polegadas que, para esse fim, está mais do que suficiente.
Ali ele concorda, discorda, xinga, debate com especialistas, mesmo que apenas interiormente, ouve e, na maioria da vezes, acata as opiniões dos que defendem o seu time e continua discordando dos que achincalham o mesmo. Afinal o domingo foi feito para isso, para missa, almoço, futebol e mesa redonda.

Isso tudo se seu time ganhou, pois se perdeu ele, pacientemente, permanece sentado ao lado da esposa vendo a vida dos artistas que passa na TV.

(postagem 181)

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