Chico e sua música |
Maninha
A cabeça privilegiada de Chico Buarque nos premiou com belíssimas pérolas que já foram analisadas por diversas mentes, brilhantes ou não. Porém a ideia aqui não é fazer uma análise poética ou musical de suas canções, mas sim brincar com as letras sempre inteligentes desse autor e tentar entender o que ele disse nas linhas e/ou nas entrelinhas. Enfim, pesquisando e analisando, busco aprender um pouco mais sobre meu ídolo.
As vezes uma modinha se torna algo banal e descartável, outras vezes, quando brotada de uma mente privilegiada como a de Chico Buarque se torna uma obra prima. Foi o que aconteceu com Maninha, a canção que escolhemos para tratar hoje.
Aparentemente Maninha é uma canção banal que o autor faz para a irmã (provavelmente Miucha) onde são sugeridas lembranças da infância passada. Fogueiras, balões, roupas no varal, enfim, tudo o que adultos em geral lembram de suas infâncias. Mas o autor não se contenta em simplesmente fazer uma modinha agradável de se ouvir, ele aproveita toda a criatividade, que indiscutivelmente possui, e se lembra que “naquele tempo” se cantava “Luar do Sertão”, as estrelas salpicadas pelo chão, provavelmente uma referência a “Chão de Estrelas” de Silvio Caldas. Ou seja, toda modinha falava de amor.
Mas a partir desse ponto da canção Chico Buarque começa a lembrar que tudo mudou “depois que ele chegou”. O “ele” da frase certamente tem a ver com um ser repressor, pois o autor usa muito palavras como “ele”, ou “o homem” para indicar alguém que não se pode dizer o nome, mas fica implícito.
Após lembrar que “nuca mais cantei, ó maninha, depois que ele chegou” Chico volta a lembrar de fatos passados na infância, como frutas, sonhos e jardins, mas em seguida pega o gancho das flores e jardins e torna a atacar a entidade repressora, dizendo que hoje é diferente, pois só dá erva daninha no chão que “ele” pisou.
Para culminar o autor faz referência a outra canção sua, quando diz que está “querendo acreditar que o dia vai raiar, só porque uma cantiga anunciou”, referência clara à música Apesar de Você (Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença...).
Por fim ele encerra com mais uma bela imagem, pedindo à maninha que não o deixe assim tão sozinho a se torturar, que um dia “ele” vai embora pra nunca mais voltar.
Bonita demais!
Segue a letra.
Maninha
(Chico Buarque)
Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal, feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha falava de amor
pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou
Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Dos sonhos que você contou pra mim
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
Se lembra do futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar que o dia vai raiar
Só porque uma cantiga anunciou
Mas não me deixe assim, tão sozinha
A me torturar
Que um dia ele vai embora, maninha
Prá nunca mais voltar...
(postagem 179)
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