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Contos & Crônicas |
Mudança de vida
Pacheco era a calma em pessoa. Vivia para o trabalho e para sua esposa Lourdinha. Seu mundo se resumia a ir do escritório de advocacia para os braços da amada Lourdinha e dos braços da amada Lourdinha para o escritório.
Um dia, porém, ele começou a perceber que os braços da amada Lourdinha não estavam mais tão quentes e aconchegantes como antes. Ela vivia distante e, talvez fosse impressão, mas aparentemente ela o estava evitando.
Aconteceu o inevitável, chegou um dia em que a realidade foi jogada na sua cara, Lourdinha propôs que eles tirassem férias separados, pois ela precisava de um tempo para repensar sua vida. Aquilo foi como um soco no rosto de Pacheco, que nunca se imaginou sem Lourdinha, sua primeira e única namorada desde os tempos de colégio.
A princípio Pacheco pensou em lutar contra essa ideia maluca, mas ele percebeu que lutar contra isso seria como nadar contra a correnteza, e ele notava que essa correnteza estava muito forte, pois Lourdinha definitivamente não era mais a mesma.
Resignadamente Pacheco aceitou a proposta e começou a pensar em alternativas para aquelas férias, um hotel fazenda afastado do mundo, uma praia bem movimentada cheia de mulheres lindas e com pouca roupa, ou até mesmo a casa de seus pais, que moravam num interior tão distante que não haveria perigo de encontrar algum conhecido que pudesse estranhar o fato de ele estar sozinho.
“Três boas opções”, pensou Pacheco, e começou a procurar em jornais e internet algo que chamasse sua atenção. O que chamou sua atenção, contudo, não foi exatamente nenhuma das três opções. Por algum motivo desconhecido Pacheco deu de cara por três vezes com um mesmo anúncio que chamava o viajante para uma praia do Ceará de nome impronunciável. “Que coincidência”, pensou Pacheco, “me deparar por três vezes com esse mesmo anúncio!”. E começou a pesquisar pela internet. “Pacífica vila de pescadores entre dunas, na costa oeste do Ceará”. Parecia uma boa opção, talvez melhor que as três pensadas originalmente, pois ficaria longe de tudo e de todos. O Ceará é muito longe. Se é muito longe, então é o que ele estava procurando. Imediatamente começou os preparativos para ir para Fortaleza e de lá para o seu refúgio. Não avisou ninguém, não se despediu de ninguém. Simplesmente foi.
O lugarejo era exatamente o que ele tinha lido, ou seja, uma vila de pescadores entre dunas, na costa oeste do Ceará. Mas não era só isso, era um paraíso encravado entre dunas, com um litoral tão maravilhoso que fez Pacheco perder o fôlego e esquecer do escritório de advocacia. Mas de Lourdinha ele não esqueceu. Deitava a noite na praia vendo as estrelas e pensando em Lourdinha. Acordava com o raiar do dia e seu primeiro pensamento era para Lourdinha. Foi assim no primeiro dia, no segundo, no terceiro. No quarto dia, pensando em Lourdinha, marcou um passeio de buggy. Foi, passeou, conheceu pessoas, sorriu pela primeira vez em uma semana, marcou um chope com uns novos amigos que conheceu no passeio e sentiu que talvez poderia haver vida sem Lourdinha.
No dia seguinte uma caminhada até um ponto turístico do vilarejo e conheceu mais pessoas novas, alegres e divertidas. Voltou para o vilarejo a tempo de subir numa enorme duna para ver o pôr do sol mais bonito que já vira.
Voltou para o hotel tarde da noite e ao deitar lembrou-se que não pensara em Lourdinha sequer um minuto durante aquele dia tão cheio e não gostou de ter constatado isso, mas não tinha muito tempo para pensar, pois estava cansado e tinha novos passeios agendados para o dia seguinte, teria que acordar cedo.
Mais um dia cheio e divertido. Pensou em ligar para Loudinha a noite, mas desistiu, estava muito cansado.
Passou mais um dia sem pensar em Lourdinha e sem ligar para ela. Assim passou a semana, mais uma e ele já se sentia um morador daquele lugarejo. Esse pensamento fez com que subisse um arrepio por todo seu corpo. Pacheco era um homem extremamente acomodado e aparentemente estava se acomodando nesse novo estilo de vida. Só conseguia pensar naquela vila tranquila e paradisíaca.
Foi apenas um pensamento, mas para ele foi como um decreto. Naquele momento Pacheco definiu que seu futuro estava ali, naquele vilarejo, com seus novos amigos.
Nem voltou mais para sua cidade. Antes de terminar suas férias ele foi para Fortaleza, passou um e-mail para seu chefe com uma carta de demissão e outro e-mail para Lourdinha dizendo apenas que entendia sua necessidade de mudar de vida e, portanto, ela poderia se considerar livre.
Tirou todo o dinheiro do banco, comprou um buggy e voltou para seu novo lar. Por um tempo viveria com o dinheiro que economizara por tantos anos e depois disso certamente já teria arrumado um serviço de buggeiro. “Quem precisa de mais que isso?”
Enquanto isso Lourdinha, atônita, lia o e-mail sem entender o motivo de Pacheco ter escrito aquilo. Ela só queria um tempo para pensar e esse tempo foi suficiente para reforçar o amor que tinha pelo seu primeiro e único namorado.
Que não veria nunca mais.
(postagem 158)
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