![]() |
Leituras |
Eça de Queiroz
Eça de Queiroz (1845-1900) foi um escritor português. "O Crime do Padre Amaro" foi o seu primeiro grande trabalho, marco inicial do Realismo em Portugal. Foi considerado o melhor romance realista português do século XIX. Eça foi o único romancista português que conquistou fama internacional nessa época. Foi duramente criticado por suas críticas ao clero e à própria pátria. A crítica social unida à análise psicológica aparece também nos livros "O Primo Basílio", "O Mandarim", "A Relíquia" e "Os Maias".
Eça de Queiroz nasceu no dia 25 de novembro, na cidade de Póvoa de Varzim, Portugal. Filho do brasileiro José Maria Teixeira de Queiroz e da portuguesa Carolina Augusta Pereira de Eça. Ingressou em 1861 na Universidade de Coimbra, onde em 1866 se formou em Direito.
Exerceu a advocacia e o jornalismo em Lisboa. Em Lisboa revelou-se como escritor no folhetim da Gazeta de Portugal. Em 1870, com a colaboração do escritor Ramalho Ortigão, escreveu o romance policial "O Mistério da Estrada de Sintra", e em 1871 "As Farpas", sátiras à vida social, publicadas em fascículos.
Em 1873 ingressa na carreira política e em 1872 é nomeado cônsul em Havana, e em 1874 é nomeado cônsul na Inglaterra.
O romance "O Crime do Padre Amaro", publicado em 1875, foi o marco inicial do Realismo em Portugal. Nele, Eça faz uma crítica violenta da vida social portuguesa, denuncia a corrupção do clero e da hipocrisia dos valores burgueses. A crítica social unida à análise psicológica aparece também no romance "O Primo Basílio", publicado em 1878, em "Mandarim", 1880, e em "Relíquia", 1887.
Em 1888 foi nomeado cônsul em Paris, ano que publica "Os Maias". Nesse romance observa-se uma mudança na atitude irreverente de Eça de Queiroz, o autor "deixa transparecer os mistérios do destino e as inquietações do sentimento, as apreensões da consciência e os desequilíbrios da sensualidade"
Surge então uma nova fase literária, em que Eça deixa transparecer uma descrença no progresso. Manifesta a valorização das virtudes nacionais e a saudade da vida no campo. É o momento dos romances "A Ilustre Casa de Ramires" e "A Cidade e as Serras", e o conto "Suave Milagre" e as biografias religiosas.
José Maria Eça de Queiroz morreu em Paris, no dia 16 de agosto de 1900.
Vamos ler um trecho do conto “O Milhafre”, publicado no livro “Últimos Contos”.
O Milhafre
(Eça de Queiroz)
Um dia um homem entrou numa casa arruinada. No portal havia um nicho com um santo de pedra, que lia uma Bíblia, também de pedra, Em redor, na beira dos telhados, nas fendas das pedras, no canto do nicho, havia ervas molhadas e verdes, e ninhos de andorinhas. O santo tinha sempre as suas pálpebras de pedra descidas sobre o livro sagrado. Passavam as cavalgadas, os enterros silenciosos, os noivados, os cortejos, a pompa dos regimentos, e o santo lia atentamente o seu livro de pedra.
Vinham defronte dançar saltimbancos, passavam as frescas serenatas, vinham dos montes rebanhos e ceifeiras; o santo tinha os seus olhos de pedra sobre as páginas inertes. As devotas, lentas e desfalecidas, beijavam-lhe os pés nus, os homens severos saudavam-no, as crianças olhavam-no com os seus grandes olhos inanimados, os cães ladravam-lhe à calva: o santo, curvado, seguia o espírito de Deus por entre as letras do livro.
Passavam os fardos, os mercadores crestados pela indústria, os poetas lânguidos que desfalecem nas cançonetas, os histriões que cantam nos tablados, mulheres mais preciosas que o âmbar, os sábios, os mendigos, as virtuosas e as melodramáticas: — e o santo lia o seu livro profético.
Ora as torres gloriosas, as bandeiras, os ciprestes — ais de folhagem — os homens, perguntavam entre si: — “Que lê tão atentamente aquele santo, que nem sequer nos olha?” E os enxurros, que passam rosnando, diziam: — “Que lê tão devotamente aquele santo, que nem sequer nos escuta?”
Ora o santo lia assim. De noite, quando as bandeiras caem de sono, quando os homens estão cheios de comida e de inércia — a Lua, que ao nascer é material e metálica como uma moeda de ouro nova, depois, na suavidade do azul, é tão pura, tão imaculada, tão consoladora, como uma chaga de Cristo por onde se lhe visse a alma. A essas horas, uma criança, tão pobre e tão esfarrapada como o antigo pastor S. João, vinha deitar-se junto do nicho do santo. E então, o santo afastava um pouco o livro, e toda a noite ficava cobrindo, com a grande luz dos seus olhos, aquela criança miserável, adormecida sobre as lajes.
(...)
(postagem 208)
Nenhum comentário:
Postar um comentário