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Contos & Crônicas |
Legado da Copa
Com a chegada cada vez mais próxima da copa do mundo fala-se muito em “legado da copa”. Essa expressão que, tempos atrás, provocava sorrisos sonhadores nos lábios de pobres ingênuos como nós, hoje não me provoca sorriso nenhum. Mas eu tenho convicção que ficarão legados dessa copa.
Olhando a cidade (falo de Curitiba especificamente, mas acredito que não haja diferença com outras várias cidades desse nosso país) fico imaginando que um legado que essa copa vai deixar, infelizmente, será a falta de educação e o descaso cada vez maior com a população. Explico, para que não pensem que estou batendo numa tecla muito manjada e real, do gasto de verbas, superfaturamentos, etc. Não é disso que estou falando. O que observo andando pela cidade são pequenas obras como reforma de calçadas, troca de calçamento de vias públicas, pintura de faixas, etc. Pequenas obras que tempos atrás seriam feitas com muito pouco transtorno o hoje, devido à urgência de aprontar até a copa, causa transtornos muito grandes.
Vamos a exemplos. Uma troca de calçadas há algum tempo seria feita de uma maneira quase que imperceptível. Os funcionários fechariam meia calçada de uma quadra, retirariam o calçamento original, amontoariam em um canto, a noite passaria um caminhão recolhendo e deixando o material do novo calçamento que seria colocado, liberando assim essa meia calçada para o trânsito das pessoas. Em seguida passariam a trabalhar na outra metade da mesma maneira, liberando uma bela nova calçada praticamente sem causar transtorno para ninguém.
Mas não! A copa está próxima e não fizemos nosso dever de casa! Tudo tem que ser feito urgentemente!
Pois bem, baseado nesse conceito de que “não fiz minha parte, agora todos pagam” vejamos como está sendo feito esse mesmo tipo de trabalho:
Vem um caminhão e, bloqueando uma faixa da via de rolamento, despeja todo o novo calçamento que será usado naquela rua. Os funcionários passam a trabalhar na calçada toda, destruindo o calçamento original e bloqueando totalmente a passagem dos transeuntes. Nem se cogita a liberação de um corredor para a passagem dos pedestres. No início do dia, além daquela faixa de rolamento já bloqueada, outros caminhões param junto aos funcionários, provavelmente trazendo material que, por falta de planejamento, foi esquecido, bloqueando mais uma faixa de trânsito.
Resumo da história, ao final do trabalho sofreu o pedestre, sofreu o motorista, sofreram os moradores e, sabe-se lá se o serviço ficou bem feito, pois a desorganização foi tanta que não dá para ter uma visão clara.
Vamos a outro exemplo, que é a troca da camada asfáltica das ruas e a pintura de faixas. Esse tipo de serviço sempre foi feito com algum transtorno, mas estes sempre foram minimizados, o que não acontece hoje. Tempos atrás o serviço seria realizado prioritariamente a noite ou em horários alternativos para não afetar demasiadamente o trânsito. Hoje os caminhões bloqueiam no mínimo duas faixas de rolamento, colocam sinalizações apenas no local onde está se realizando o serviço, causando um afunilamento no trânsito e um estresse incalculável. E em que horário esse serviço é realizado? Nos horários de maior movimento possível. A impressão que se tem é que estão querendo mostrar para a população que “obras estão sendo realizadas”, sem se preocupar com os transtornos causados.
Mas voltando à ideia original do legado, eu acredito que essa falta de respeito será deixada como legado não só por causa dessas obras públicas, mas também porque, espelhado nelas, a impressão que tenho é que todas as construções feitas na cidade estão seguindo por esse caminho da falta de respeito e descaso com a população, porque não é raro ver por aí construções particulares e de grandes construtoras utilizando as mesmas práticas, bloqueando calçadas, atrapalhando o trânsito, muitas vezes desnecessariamente, em locais que teria como encostar um caminhão eles preferem colocar um cavalete e fechar uma faixa de rolamento.
Como cidadão poderíamos ligar para o poder público e pedir providências, mas fica aquela dúvida no fundo da mente: será que o poder público teria condições moral para, nesse momento, aplicar sanções para esse tipo de falta?
(postagem 136)
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