segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

João Cabral de Melo Neto

Leitura











João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto nasceu no dia 09 de janeiro de 1920 no Recife (morreu em 09 de outubro de 1999) foi um poeta e diplomata brasileiro.

Primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre, João Cabral foi membro da Academia Brasileira de Letras e quando morreu, em 1999, especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.

Publicou seu primeiro livro em 1942, chamava-se Pedra do Sono.

O texto que veremos a seguir é um trecho inicial de seu livro Morte e Vida Severina, publicado em 1955 e que faz alusão ao sofrimento enfrentado pelo nordestino. Esse livro foi para o teatro em peça musicada por Chico Buarque, além de ter sido também adaptado para o cinema e televisão.

O livro é imperdível.

Morte e vida severina
(João Cabral de Melo Neto)

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

(postagem 85)

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