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Fernando Sabino
Nascido em Belo Horizonte no dia 12 de outubro de 1923, o escritor e cronista Fernando Tavares Sabino era o último vivo do quarteto mineiro de escritores integrado por Hélio Pellegrino (1924-88), Otto Lara Resende (1922-92) e Paulo Mendes Campos (1922-91). Essa amizade inspirou Sabino a escrever "O Encontro Marcado" (1956), seu livro de maior sucesso.
Além de "O Encontro Marcado", suas principais obras foram "O Homem Nu" (1960), "O Menino no Espelho" (1982) e "O Grande Mentecapto" (1979), que deu a Sabino o Prêmio Jabuti.
Aos 17 anos, ao decidir ser gramático, escreveu uma crítica sobre o dicionário de Laudelino Freire no jornal "Mensagem", e publicou também artigos literários em "O Diário", ambos em Minas Gerais.
No início da década de 1940, começou a cursar a Faculdade de Direito e ingressou no jornalismo como redator da "Folha de Minas". Seu primeiro livro de contos, "Os Grilos não Cantam Mais", foi publicado em 1941, no Rio.
Em 1944, muda-se para o Rio de Janeiro e torna-se colaborador regular do jornal "Correio da Manhã", do Rio, onde conhece Vinicius de Moraes, de quem se tornaria amigo.
Depois de se formar em Direito na Faculdade Federal do Rio de Janeiro em 1946 viaja com Vinicius de Moraes aos Estados Unidos, morando por dois anos em Nova York, onde trabalha no Escritório Comercial do Brasil e no Consulado Brasileiro.
Em 1947, envia crônicas para serem publicadas em jornais como "Diário Carioca" e "O Jornal", do Rio, que são reproduzidas em vários veículos do Brasil. Começa a produzir os livros "Ponto de Partida" e "Movimentos Simulados" que, apesar de não serem concluídos, serão aproveitados em "O Encontro Marcado".
"O Encontro Marcado", uma de suas obras mais conhecidas, é lançada em 1956, ganhando edições até no exterior, além de ser adaptada para o teatro.
Sabino decide, em 1957, viver exclusivamente com escritor e jornalista. Inicia uma produção diária de crônicas para o "Jornal do Brasil", escrevendo mensalmente também para a revista "Senhor".
Em 1960, o escritor publica o livro "O Homem Nu" na Editora do Autor, fundada por ele, Rubem Braga e Walter Acosta.
Entre final dos anos 60 e início dos 70, viaja para diversas partes do mundo como correspondente de veículos brasileiros, produzindo reportagens sobre países como Alemanha, Portugal, Itália, França, Inglaterra, Estados Unidos e Argentina.
Termina o romance "O Grande Mentecapto" em 1979, iniciado mais de 30 anos antes. A obra, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, acabaria sendo adaptada para o cinema e o teatro anos depois.
Em 1991, lançou o livro "Zélia, uma Paixão", biografia autorizada de Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia do governo Fernando Collor (1990-92), trabalho que o autor se recusava a comentar. Acreditava ter sido vítima de hostilidade por causa dele.
Em julho de 1999, recebe da Academia Brasileira de Letras o prêmio "Machado de Assis" pelo conjunto de sua obra.
Publica em 2004 o romance "Os Movimentos Simulados", da editora Record, totalizando uma produção literária de mais de quatro dezenas de obras em 80 anos de vida.
Um dia antes de completar 81 anos, morre no dia 11 de outubro de 2004 vítima de câncer no fígado. O escritor lutava contra a doença desde 2002.
O corpo de Sabino foi sepultado ao som de canções de jazz, tradicionais em funerais de Nova Orleans (EUA), na manhã do dia 12 de outubro, no cemitério São João Baptista, em Botafogo, zona sul do Rio.
Vamos ler um conto de Fernando Sabino.
A mulher do vizinho
(Fernando Sabino)
Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.
O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.
O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fabrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:
— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:
— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?
O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.
— Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:
— Da ativa, minha senhora?
E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:
— Da ativa, Motinha! Sai dessa...
(postagem 194)
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