Contos e Crônicas |
A garota do jornal
Todo dia à mesma hora ele passava pela mesma esquina. Ele é o que se pode chamar de metódico ao extremo, portanto é certo que todo dia ele passava por ali. É certo que todo dia era na mesma hora. Como poderia nunca ter percebido a presença daquele ser tão radiante, tão cheio de luz?
Lá estava ela. Vinha caminhando sorrindo ao encontro dele, como se fossem íntimos, como se fossem velhos conhecidos que se encontravam no trânsito de uma grande cidade qualquer.
Ele nem ouve o que ela diz. Mas consegue perceber pelos movimentos de seus lábios que, entre sorrisos ela oferece:
“Aceita um jornal?”
Fica em dúvida entre abrir a janela e pegar o jornal, ou abrir a janela e pegar na sua mão, ou abrir a janela, puxá-la pelo braço e dar-lhe um beijo, ou simplesmente balançar a cabeça negativamente sem sequer ter o trabalho de abrir o vidro.
Escolheu a última opção e em troca recebeu um sorriso de presente. O mais belo sorriso que ele já vira.
Ele se envergonhou do próprio ato. Como pode alguém retribuir com um sorriso tão lindo a alguém que não se dignou sequer a abrir o vidro para dizer “não, obrigado”?
Mas teve que engolir sua revolta porque o semáforo se abriu e os carros da frente andaram, não restando outra alternativa, senão arrancar também com seu carro, deixando para trás aquela garota que seguia, indiferente à sua indiferença, distribuindo sorrisos para todos e jornais para quem quisesse.
Enquanto ela seguiu sorrindo ele seguia se remoendo por dentro, por não ter aproveitado aquela oportunidade mágica de ter retribuído o sorriso, mesmo que fosse para recusar o jornal, mas não podia ter deixado de sorrir também. Talvez abrir o vidro e dizer alguma frase engraçada, daquelas que ela deve estar cansada de ouvir. Mas como saber a reação dela sem ao menos ter tentado?
Passou o dia todo pensando naquele sorriso. Começou a pesquisar sobre amor a primeira vista, técnicas de abordagem de garotas. Parecia um adolescente. Aquele homem de 50 anos se tornara um adolescente apenas pelo sorriso de uma garota. Pelo lindo sorriso de uma garota.
Como poderia nunca ter notado aquela garota? O trajeto dele era sempre o mesmo. Tinha certeza que sempre tinha alguém naquela esquina entregando jornal, mas será que era ela? Como fazer para o dia passar mais rápido, para poder dormir cedo e chegar novamente naquela esquina?
Evidentemente que o dia se arrastou. A noite foi longa, o sono não veio e, consequentemente, a madrugada não acabava nunca. Mas acabou.
Ele se preparou com esmero para o esperado encontro. Não tinha como dar errado, a abordagem já estava preparada e ele tinha um sentimento de que ela iria aceitar seu gracejo e seu convite para esperá-lo no final do serviço. A certeza era tanta que ele gastou até alguns bons minutos da sua madrugada insone para decidir onde a levaria.
A pequena distância entre a sua casa e a esquina do encontro não passava nunca. “Maldito trânsito, que nunca foi tão ruim assim!”
Finalmente avistou seu alvo. A esquina, o carrinho de distribuição de jornais... mas a pessoa que estava distribuindo definitivamente não era sua musa. Era uma garota relativamente bonita, mas certamente não era a “sua” garota.
Abriu a janela do carro e perguntou se só ela estava entregando o jornal. “Sim”, foi a resposta entre sorrisos. “O senhor deseja um?”
Fechou o vidro sem responder e arrancou com o carro, já que o semáforo tinha aberto. Deu a volta no quarteirão e se aproximou da garota do jornal novamente. Dessa vez fez a pergunta mais direta: “Onde está a moça que estava entregando jornal nessa esquina ontem?”. A resposta já não foi tão simpática quanto anteriormente: “Acho que saiu da empresa, senhor. O senhor quer um jornal?”
Novamente não respondeu e arrancou com o carro.
Dias se passaram e ele continuou passando pela mesma esquina procurando a “sua” garota, mas dia após dia se convencia de que perdera sua chance. A garota realmente não apareceu mais.
(postagem 166)
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