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Chico e sua música |
Baioque
A cabeça privilegiada de Chico Buarque nos premiou com belíssimas pérolas que já foram analisadas por diversas mentes, brilhantes ou não. Porém a ideia aqui não é fazer uma análise poética ou musical de suas canções, mas sim brincar com as letras sempre inteligentes desse autor e tentar entender o que ele disse nas linhas e/ou nas entrelinhas. Enfim, pesquisando e analisando, busco aprender um pouco mais sobre meu ídolo.
Escrever sobre músicas menos badaladas do Chico é muito difícil, pois envolve basicamente opiniões próprias, baseadas em interpretação pessoal e sem muito material para ler e estudar. Mas eu vou correr esse risco, escrevendo sobre Baioque, uma música de 1972 que certamente não está entre as mais apreciadas pelos fãs de Chico Buarque, mas que me fascina por motivos que até eu desconheço.
A música começa a ficar interessante a partir do título, Baioque que é uma mistura de Baião com Rock. A partir do título já se tem uma idéia de que o autor vai misturar sertão com metrópole, e é isso mesmo que acontece. Ele começa a música num ritmo nordestino e, como um “cabra da peste”, já avisa que “Quando eu canto/ que se cuide/ quem não for meu irmão” e prossegue “O meu canto/ punhalada/ não conhece o perdão”.
Pode haver melhor maneira para começar uma música cantada por um nordestino sofrido e talhado pelo sol, solo seco e sofrimento gerado pela seca? Certamente não, mas a partir daí entra a veia poética, fazendo transbordar poesia e metáforas inteligentes:
“Quando eu rio
Rio Seco
Como é seco o sertão”
E eu pergunto: é ou não é gênio? A facilidade com o jogo com as palavras: Rio do verbo rir, com o substantivo rio já seria um achado, mas ainda emenda com “rio seco/ como é seco o sertão”. E, ainda:
“Meu sorriso é uma fenda
Escavada no chão”
É impossível não visualizar o sorriso desdentado (desculpem se isso parece preconceituoso) do nordestino carente de tudo, ao mesmo tempo em que ele faz uma ligação com as fenda do chão carente de chuva.
Mas as metáforas não param:
“Quando eu choro
É uma enchente
Surpreendendo o verão
É o inverno
De repente
Inundando o sertão”
Pura poesia. Sem comentários!
E por aí prossegue a linda letra, ainda em ritmo de baião até que uma palavrinha dá o sinal de que tudo vai mudar:
“Mamy”
É o sinal de mudança, onde o autor indica que o lado rock vai entrar em sena, muda-se o discurso e o ritmo:
“Não quero seguir definhando sol a sol
Me leva daqui
Eu quero partir
Requebrando um rock and roll”
A partir desse momento o ritmo passa a ser o rock e o sujeito se distancia do agreste rude e informa em ritmo frenético que “eu quero ligar/ no sol de Ipanema/ cinema e televisão”
Realmente, o Chico Buarque não faz nada que seja água-com-açucar. Até um tema banal (em outras mãos) como o de Baioque vira uma obra prima.
(postagem 201)
Gosto da sua interpretação e talvez seja a correta, porem acho sim que a partir do segundo verso parece preconceituoso e não vou repetir o já dito sobre a palavra Bioque só assentar que significa a fusão do estilo divulgado por Luiz Gonzaga com o roque (Rock) trazido pelos tropicalistas na figura de Gilberto Gil ou com Raul Seixas, que ganhou esse apelido de Batoque. É inegável que traz a ideia da misturar sertão com metrópole fácil de ver comparando os 4 primeiros versos com o 5º verso iniciado por “Mamy”. Porem minha interpretação do 2ª, 3ª e 4ª versos divergem da sua também concordo que elas que fazem transbordar metáforas, embora nordestina sou metropolitana, então o antagonismo Nordestino sofrido da seca vs. Metrópole (no geral a fora do Nordeste aquela para onde vão ou iam os fugidos da seca as do Sudeste) não é especialmente marcante para mim por isso acho que interpreto de forma diferente, porém parafraseando e adaptando para a situação Joseph Conrad “O autor escreve apenas metade de um livro. A outra metade fica por conta do leitor.". Assim vejo nos versos que citei, a extravagância sentimental. Claro não nego a interpretação geral que deve seguir a sua, talvez até a mais correta. Como você disse o Genial jogos de palavras: Rio sendo conjugação do verbo rir e substantivo ao mesmo tempo, deve ser visto no conjunto da estrofe, o verso como “rio seco como é seco o sertão”, “riso seco” tende a ser compreendido como um riso sem alegria, mas a referência ao local de onde vem “como é seco o sertão” e o que ele traz a seguir “uma fenda escavada no chão” me leva a interpretar que obviamente o rio substantivo no sertão é secos o inverso do esperado deles, mas o riso verbo é um riso que escava o chão como as fendas da secura do solo o que eu entendo ser um riso marcante cravado na paisagem que se faz mesmo em meio ao árido, um sorriso que vinga diante da hostilidade, um sorriso potente que rasca até o solo, e deixa vestígios impossíveis de não ver, é algo tremendo e exuberante. Logo em seguida tem o choro que é também de inegável força que “surpreende” faz as estações alterarem-se, que “inunda” inclusive o seco sertão que é uma “enchente” um fenômeno natural. Sendo o riso um expressão de alegria, e o choro o inverso de tristeza, eu entendo que ele tá retratando as emoções como verdadeiras forças da natureza o que para mim é confirmado como verso seguinte que mostra uma pessoa que ama tão profundamente que devora a própria “fonte” do amor e tem conjugados na mesma “atmosfera” (Canção) o ódio e o amor os dois lados mais ferozes dos sentimentos.
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